quarta-feira, 18 de julho de 2012

Pavio Vindouro


paciência tá em falta hoje.
assim como ontem, 
semana passada e há 8 anos.
primeiro acesso de raiva,
estraçalhou a paciência igual 
tiro no alvo de papel cartão, com azul
em preto tracejado. 
aquele palavrão entrou no cérebro 
igual ninja, completamente indetectável.
e avassalador. o grito do bebê 
tal uivo de lobo para a lua cheia
aumentava e perfurava os vidros,
paredes, incendiava cortinas e as bordas
das janelas. apocalipse sonoro do dia a dia.
saía música do fone de ouvido do cobrador
sob a luz do meio-dia, o bafo
escaldante dentro do ônibus. "haja paciência",
silabou o homem ao lado.
mal sabia ele, daquelas palavras,
usaria a segunda como
estopim do fim 
dos futuros sonos pacíficos.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Trepidante Solar


a paisagem não passa nada
nem alegria, nem sofrimento.
o sol bate no vidro da janela
e atinge o rosto. calor transparente,
enquanto o vento passa pela fresta
da porta e o redomoinho dos cabelos
caídos levanta. 
cônicos, bailam no ar com uma 
sincronia impecável. destestável perfeição.
leviandade do onisciente que faz
as ondas quebrarem na orla da
inconsciência. 
salvador das asas, inabalável
beija-flor na tempestade,
fuja já. antes do anoitecer
cegar sua visão molhada.
disparate do destino
jogando pedras no teto de papel
marchê e celofane. 
arremessa outra mais. 
pra aumentar a claridade 
nas pontas dos pés da raíz. 

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Desilusão no Tambor



-fica calmo. respira.
entrou e saiu como entrou 
da cabeça. rápido. indolor. 
nada significou o alento dos outros
diante do distorção da realidade
presente. - consciência coletiva pré-julgada?
ou foi concepção divina todos falarem 
a mesmice pataquada?
galhofagem demais pra engolir
a seco. - dose de whiskey. caubói, caubói. 
ele entendeu a mensagem. simples.
por quê os aos redor não entenderiam
o momento de desilusão? 
é catártico esperar 
as boas novas que vem de trem.
- melhor seriam se viessem à bala.
como os japoneses já ensinaram. 
- mais uma e passa a régua.
- hoje é pela casa. vai em paz. 
recolheu algumas moedas e seguiu errante.
andarilho da sortunidade.
colocou a última dose no tambor
dedo no gatilho. 
3. 2. 1...
meio...
rim. fígado. miquitório.
urina ensanguentada. 

quarta-feira, 23 de maio de 2012

V.P.P.B.


- vertigem postural paroxística benigna. branco. um branco incandescente. sequer chegou a ferir os olhos, mas foi tudo o que consegui vislumbrar depois que o doutor, pHD na puta-que-o-pariu, proferiu aquelas 4 palavras que soaram como o gongo no último round de uma luta de boxe pelo título mundial dos pesos pesados. contra o Evander Holifield. imagina. parecia o fim. descobrir um troço desses já com os cabelos brancos, com rugas mais que aparentes nas laterais dos olhos e alguns vincos de preocupação na testa não é lá muito inspirador para quem ainda crer ter uns bons 10 anos de vida pela frente. veja bem; digo que são uns bons 10 anos porque minha vida não foi das mais tranquilas e sorrateiras que o mundo pôde assistir da arquibancada da vida. foi cheia de altos e baixos, e com várias bebedeiras e uma infinidade de carreiras inaladas vias aéreas adentro. com uns poucos desvios pela laringe aqui e ali. mas como diz o ditame: "alegria de pobre dura pouco", levei a surra facial daquelas 4 palavras que mais pareciam um eufemismo para: sua vida chegou ao fim do poço e vai ser uma desgraça atrás da outra a partir de agora, senhor - da melhor maneira possível. engoli seco, como se tivesse entornado uma garrafa d'água com gás, cheio de areia e cascalho. fazer o quê? se tem que ser assim, assim será então. o doutor, pHD em puta-que-o-pariu começou a explicar o que significava aquele provérbio médico inexplicável para um leigo na seara da medicina. apenas assimilava trechos daquele monológo de quem parecia estar apreciando cada segundo do discurso pomposo. "característica particular dos"; "incapacidade de equilíbrio…"; "aparente perda da função…". cada pausa que ele fazia antes de prosseguir a explicação me deixava mais preocupado e aumentava, compulsivamente, a minha sudorese sob os suvaco. - palavra com grafia indefinida complica a vida de qualquer escritor. uns chamam de subaco. outros de sovaco. a alcunha feminina é "axila". muito mais conveniente e elegante para as mulheres existir uma palavra específica para designar a região que fica abaixo dos braços, contígua aos seios, que, abençoadamente, a maioria delas tem a dignidade e senso de higiene de depilar. - aquela consulta começou a se alongar. demasiadamente. mutismo seletivo. repentinamente, fiquei estático. meus olhos, claramente, pareciam vazios e pude perceber o semblante de preocupação do homem de jaleco sentado à minha frente, atrás da grande mesa de mogno com a fotografia da família que ele tentava administrar entre as extensas jornadas de trabalho com raros dias de folga, nos quais, concluindo rapidamente pelos certificados e diplomas pendurados na parede, terminava algum artigo para umas das várias publicações focadas em neurologia. a balança da vida é implacável, no caso dele, com os entes queridos que não sabiam onde estavam se enfiando, conscienciosamente ou por juras de amor que acreditavam, seriam cumpridas independente do rumo que a vida de ambos tomasse. eu continuava quieto. a consulta era algo de rotina, uma que havia abandonado alguns anos antes quando inalei a primeira carreira na pia do banheiro de uma padaria da alta sociedade na esquina da Consolação com a Alameda Itu. sempre tive receio de pronto socorro ou posto de atendimento, então desde cedo me acostumei a pagar um plano de saúde que esperava sempre não usar. esse é o tipo de coisa que é investimento perpétuo, e você espera não ter que sacar a bolada em nenhum momento da vida. as dores de cabeça começaram a aumentar de uns meses para cá, a visão embaralhava quando focava fixamente um determinado ponto e mudava o campo de visão rapidamente. sentia uma pressão forte, como no avião na decolagem, quando os ouvidos tapam. mesmo parado ou deitado, aquela sensação da bebedeira, quando se fecha os olhos e todo o resto do mundo parece que roda, menos você, e isso vinha me preocupando e causando um desconforto sem igual. foi por isso que vim até aqui. não antes de abrir o caderno do segurado do meu plano de saúde e buscar no índice a página onde encontraria a divisão "Neurologia" das especialidades médicas. sorte a minha foi ter um próximo ao apartamento que vivo atualmente. cheguei cinco minutos atrasado, mas a recepcionista disse que o doutor estava terminando uma consulta, então não preocupei muito com o atraso, mesmo que mínimo. escolhi uma das revistas na mesa de centro de metal usinado cortado à perfeição. impressionante a tecnologia de fabricação de móveis. mais impressionante ainda eram as pernas da recepcionista. que espetáculo. esbelta, corpo atlético. cabelo chanel castanho escuro. calçava um escarpian preto, saia cinza e uma camisa canelada branca justa às suas curvas. às revistas. FOCO. folheei rapidamente qualquer revista semanal de baixo conteúdo e alto teor político intragável para passar o tempo. destruição. Coréia bombardeando Coréia. algum escândalo político envolvendo um zé qualquer que enfiou dinheiro embaixo da peruca. ao invés de "Brasil. País rico é país sem pobreza." deveria ser "Brasil. O país da corrupção escancarada." nem reparei quando o último paciente saiu do consultório, tanto que fui avisado pela recepcionista com um sucinto: "Senhor, pode entrar.", tão baixo que quase não identifiquei que som era aquele. e, depois de 15 minutos de consulta, estou ponto sob a lente microscópica da minha mente todas as besteiras, sacanagens, pilantragens, conquistas, perdas, noites passadas em claro, manhãs perdidas com a ressaca, tardes improdutivas, finais de semana ao livre, viagens para a Tailândia, França, Bali, China, Nova Zelândia, Zimbábue, Êgito, Finlândia. tenho pouco que reclamar das coisas dessa vida. muito pouco mesmo. claro que sempre esperasse ter tempo para mais uma dose de Blue Label - caubói, por favor. - mas fazer o quê. se este for meu fim, aceitarei-o com a dignidade de um samurai que perde seu mestre na batalha e realiza o harakiri. "aqui está". aquela voz ecoou misticamente pela sala, como se vinda dos céus ou da mais profunda tumba faraônica. saí do transe. minha visão saiu do estado aquoso esbranquiçado que se encontrava e recobrei a consciência. a mão do médico repousava suavemente sobre uma folha branca, com sua assinatura e um carimbo. arrastei-a pela mesa com o dedo indicador e o médio, trazendo-a próximo da borda da mesa e li o conteúdo da maldita prescrição. "tome 2 comprimidos por dia. um ao acordar. outro antes de dormir. não exceda em suas tarefas diárias e tente evitar qualquer trabalho braçal e, de preferência, situações que elevem seu nível de estresse, ok?". - sem problema, doutor. muito obrigado. - dobrei a receita ao meio e guardei junto com minha carteira, no bolso da calça. levantei, cumprimentei cordialmente o senhor de jaleco branco cheio de condecorações na parede, inclusive do exército brasileiro e da associação 'Médicos sem Fronteiras". ele devia se achar um ser mitológico, com todas aquelas honrarias e baboseiras egocêntricas funjadas em prata e ouro. abre a porta e saí. "deixe-a entreaberta." atendi ao pedido. perguntei à recepcionista onde era o banheiro. "no corredor ao lado do bebedouro, segundo porta à direita.". me dirigi até lá. a primeira porta era o banheiro exclusivo para portadores de necessidades especiais. como acredito que cada um tem o merecido respeito e prezo pela civilidade, não transgredi nenhuma regra. abri a 2ª porta à direita. ótimo. uma pia e um vaso sanitário. banheiros deveriam ser todos assim. exclusivos. tranquei a porta atrás de mim. saquei um tubo de ensaio do bolso da calça, despejei um pouco do pó branco na pia de granito. abri a carteira, retirei o Amex do seu repouso, alinhei aquela carreira perfeita, milimetricamente fina e suficientemente extensa para comemorar o fim do susto que acabara de levar. enrolei uma nota de cinquenta reais com magistral habilidade. cheirei como se fosse a última carreira de cocaína antes de dar entrada na clínica de reabilitação só para lembrar como o transe é fantástico. limpei o nariz para não deixar vestígios. nada na pia. guardei a cédula e o cartão na carteira e saí do banheiro. me despedi da recepcionista e segui para o elevador. no saguão, depositei o crachá na cancela e rumei à porta de saída. o sol me cegou momentaneamente. tirei meu óculos de seu repouso na gola da minha camiseta e o maço de cigarro do bolso da jaqueta de couro junto com a caixa de fósforo. antiquado, mas sou fascinado pelo cheiro da pólvora. detalhes da vida. acendi o cigarro e dei uma longa tragada. nada como o primeiro cigarro depois da primeira carreira do dia. 

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Parado no Ponto


há quanto tempo
está sentada aí? 
- aceita um copo
de água com gás?
- com cubos de gelo 
e rodela de limão.
pois não. pois sim,
saindo. tá vindo.
ali na janela,
flutuando na bandeja da
garçonete. temperando
a seda do corpete, 
ajeitando o topete da nuvem,
o floco de areia que chorou
dos astros. um grão de neve
nasceu na parede. 
da sua sede veio o medo
de fugir, correr e nunca
mais se achar. 
- Morte, me dá a mão?
Sem essa, vociferou a alma
encapuzada na túnica negra.
- amanhã eu volto. põe o manto
que na volta pra casa passo 
na parada. 
o gelo derreteu. sem goles,
sem mais gás.
permaneceu a água. 
a mesma que secou no Ribeirão,
no poço cartesiano do acaso
entre sim e o não. 
lágrima? 
- por favor. para matar 
a sede da espera.


Meu, parado

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Empoeira[n]do


esses olhos já brilharam.
cadenciados pelo novo
inspirados pelo raiar
do dia.
sossego na rede,
alma pesada, penada
sem mais forças pra seguir
vontade mínima de continuar.
esses olhos já brilharam.
incandesceram e cansaram.
resta o pó do crematório,
alguns papéis espalhados,
com rabiscos ilegíveis.
o pó em cima dos móveis
marcando a silhueta do lápis
nenhum pingo no i vai manchar
a folha. 
ela ficará em branco
lá no seu canto. amassada.
amarelando, sem sentir alguém
engatinhar sobre si.
só restará o pó caído 
das janelas, 
assoprado das cortinas. 
de tudo, sobrará o pó.
de todos, nada além do pó.
varrido para baixo
do tapete.



Meu, para a poeira que fica.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Não Há Cópias. Obrigado.

o pior é acordar
e não ver-te
do lado.
fungando no cangote
de outro[s]
sem disparate,
quero-te de ficante,
amante. inebriante
aquele perfume de lavanda
trancado na sacola largado
na varanda que transbordou.
aquele fim era o início
da maratona da poligamia.
o desespero bateu
à porta e pediu,
chorou aos pés do batente:
"deixa eu entrar e brilhar
o que a culpa encardiu?"

[mas] você levou a chave.



Meu, para os chaveiros 24 horas.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Fumaça e Cascalho

as rosas continuam vermelhas
no meio da chama reluzente
do frasco verde, os tiros
na Columbia Francesa resvalam,
blocos de concreto espatifados,
ricochetes atingem pombos,
placas, passantes, feirantes, amantes.
baladadas entoam o apoteótico início
das trombetas celestiais.
Gomorra foi o prelúdio, Sodoma,
o primeiro passo pro fundo.
Brasília vai encharcar no
próprio suor do labor fiscal.
ligue a TV. queime um livro.
acenda a luz da ignorância
feche a porta e passe a tranca
na escuridão da inteligência.



Meu, para um abrir de olhos.

terça-feira, 20 de março de 2012

Acrescente

escreva mais: sentimentos
desenhe mais: paisagens ensolaradas
grite menos: impropérios
durma mais: sob o céu estrelado
ria mais: das piadas, mesmo que sem graça
abrace mais: a árvore ao seu lado
banhe-se mais: no mar do que no box
cumprimente mais: o céu claro
despeça-se mais: do negativismo da vida
fale mais: com os animais de estimação
solte mais: gargalhadas, sorrisos
doe mais: felicidade.
distribua mais: poemas a estranhos
peça mais: perdão
discuta mais: sobre o aquecimento global
pense mais: em como alimentar as crianças carentes
ame mais: tudo que te faz sentir vivo
calce mais: chinelos que crocs
ande mais: descalço
pinte mais: flores nos muros
ouça mais: as preces dos lamentados
ajude mais: quem passa pelo seu caminho
transforme mais: a sua própria definição de 'vida'
viva mais.




Meu, para somar mais.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Fluxograma

o poster na tela mostra a atitude
marca a transição da mente,
da posição que a sinapse segue.
intenso. inquieto. com o sol
observando o primeiro raiar da iluminação.
falta só a coragem.
mesmo que sobre o vácuo,
que ao bater a porta, o que ouvir seja uma ofensa.
oferenda dos insatisfeitos.
aceito todas. todo xingamento,
o paredão das lamentações
não vai ter o meu bilhete.
esse fica no bolso. pulando.
- "quero sair".
pois é. eu também.
todo mundo quer.
conseguirão os poucos.
mesmo que não bons.



Meu, para quem tem dúvidas.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Certeiro no Vácuo

é a cápsula que cai
é a bala na carótida
o esguicho na parede.
a trava que não segurou
o "Ahhh" que desassossegou
tudo chorando sob o pôr do sol.
sem pressa, ela segue
rapidamente ela aparece no 'N' da bússola
desavisado, maroto nos passos
mesmo assim o som sai
da mesma forma, chegou e re-entrou
no tambor da arma,
o sol sendo disparado
no horizonte claro,
agora manchado de medo.
é o projétil no alvo.
é o último sopro.
é a última bala.
abra os olhos,
sem rebobinar o sonho.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Sílabas em Salada Russa

pode começar.
tecla por tecla.
junte as letras e veja no que dá.
um homem cabeludo seminu no meio
do Araguaia segurando uma rede de pesca.
de longe, avista-se uma mulata,
de corpo divinamente escultural
segurando uma lança. ela, toda nua.
os olhares confrontam-se.
explosão na água. uma dinamite
plantada por pescadores ilegais bolivianos,
radicados no Brasil por seus atos terroristas
na ex União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
proferidos na entrada do Kremlin.
incrivelmente, essas histórias não têm nada
em comum.
fazem sentido só para aquele que escreveu.
ninguém mais.
a desvalorização completa do ser frente ao computador
e sua audiência conectada a cabos de rede e fibra ótica,
provenientes de um sinal wireless enviado por um
roteador pregado na parede com fita dupla face ou cola quente.
mesma história de sempre. personagens dissonantes de ontem,
algum documentários extraídos na TV durante a noite
de insônia. "Pescadores do Araguaia", se é que existe
esse título. Agora os bolivianos que atentaram
contra o Kremlin, talvez sejam de um filme,
onde os atores eram americanos e se disfarçavam de russos.
talvez.



Meu, para a aleatoriedade diária da internet.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Vai Ser Assim?

a complexidade se torna rítmica
todos querem viver mais que
os que já foram. mas com que sentido?
qual o propósito de 100 anos de existência,
se em 65 você já se torna decrépito,
insolente? individualizado pela própria
natureza que o fez para viver o
tempo necessário para deixar sua marca?
nem se for somente a do seu nascimento,
não de nascença. do nascimento de mais
um indivíduo que vai vagar dias e noites,
e noites adentro sem rumo,
fadado as mesmas escolhas ruins de outrém,
que já foram. embaixo da terra só os
suspiros do cabelo como bolas de feno
nas cidades fantasmas chinesas,
construídas para habitarem o pó e
proliferarem as bactérias acumuladas
no canto da boca dos construtores
de uma região em vão.
ninguém são nessa terra perdida-azul?
onde estarão os cidadãos do futuro
se não existir o amanhã?
enclausurados em celas de vidro, com
suas mãos tocando os grãos de areia
industrializados em uma placa transparente,
essa que permite ver a chuva cair,
a neve derreter e o calor do lado interno só crescer.
onde estarão os políticos do amanhã,
se as ondas de dor escorrem pelas
sarjetas nos guetos e marcam de vermelho
as parades de extermínios nas favelas?
cadê aquele Messias que prometeram
há 2.000 anos, e ainda ninguém percebeu
que ele não vem? cadê o sentido de viver
para ter o amanhã?
cadê a vida que prometeram aos que
chegassem na Terra Abençoada?
pra quê batalhar se fomos feitos para esperar?
sem saber o quê, é o que fazem: esperam.
para definhar. para disseminar.
uma marca que vai sumir. enlatada
na epiderme da alma.
que não cansa de esperar.



Meu, para o mundo.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Ascenção Musical

os pássaros vão andar de lá pra cá,
enquanto você perambula a procurar
respostas para sonhos frios,
vão batendo asas rumo à costa.
quebra uma, espatifa a segunda,
na terceira você acorda,
sacode a poeira e ajoelha-se
implorando mais vida ao destino
que bateu à porta, sem marcar
horário, sem avisar o carcereiro.
prescreva uma dose de vida
para quem ficar em terra,
rogue pelos pecados que passar
o progresso é lindo, tremulante.
do alto do calvário, seu passado
grita por socorro, pede recesso,
posterga o julgamento ao
entoar Mozart para o precipício.



Meu, para a música do fim.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Fios D'Água

sabia-se desde o princípio que
não seria simples. a batalha é
ferrenha, diária. uma cabeça
de leão por vez. metaforicamente
querendo expressar um pensamento,
uma transformação na vida e
na espera de um futuro telhado,
sem buracos para manter-se
seco das chuvas de verão,
das chuvas de inverno, primavera
e outono. chove todo dia,
pros justos e pros injustos,
igualmente.
todos acham que não
merecem os pecados que têm,
os perdões que precisam distribuir,
as vidas que levam ao redor de si.
e fazem o que pra mudar?
vivem com os pulmões abertos a soprar,
escrevem seus diários e suas notas solitárias.
não mudam nada. não querem nada.
levanta a bunda do sofá, moleque.
vai chorar com a água na canela,
pelo uma outra paisagem, mais uma pra contagem.
para de aguardar a barrragem.
ela não vai sair de lá,
e muito menos aquela vastidão de água.
ela não vai molhar seus fios.



Meu, para o mundo.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Cafuné pro Sinhô Sá

Xico Sá disse querer cafuné.
até aí, quem não quer?
uma mão gostosa na cabeça,
apalpando os cabelos cansados,
cerrando os olhos brancos
pra pensar na vida.
o cearense sabe das coisas,
com sua metalinguística mambembe,
seu suingue na folha branca,
cada rabisco, uma fresta de liberdade,
daquela tão sonhada cena de sombra
co'água fresca. quem não quer?
tu quer um cafuné pra sonhar tranquilo?
polvilho pro cerebelo desacelerar,
ponderar.
um suspiro pra aprender a 'cafunezar'
a calvície do tio, a solteirice do pai
quarentão acalmar.
só quebrando a munheca pra
pessoa amada. mas quebra,
sem dó, sem pejoração ou
gozação. quebra pro cafuné.
quebra mais pro canto da orelha,
pra silenciar o freseni que
vem só vem incomodar.



Meu, inspirado na crônica Saniana do Ceará.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Desfalque a Falta

sabe o que falta?
coerência.
para alinhar os traços
estofar os interiores
vazios dessas almas transparentes
que vagam e vagem por aí, a sambar.
sambam com o pé no chão, sem distinção
do passo torto ou do gingado nacional.
dançam sem pensar na coerência harmoniosa.
simplesmente o fazem para livrarem-se
da dor corrosiva dos dias cinzas.
quer coerência pra quê?
por quê?
por quem?
coerência faz falta, mas não pra sambar.
ela é necessária pra contabilizar os porcos
no chiqueiro sob o luar dançante.
a falta dela prejudica a caixa que
prende o cérebro.
falta coerência pra quem busca.
àqueles que não buscam,
saem a sambar com o raiar do dia.



Meu, para a incoerência da vida.