sexta-feira, 31 de outubro de 2008

... ... (... ...)

...

e passaram-se cinco meses, como se fossem quatrol ou três, ou dois, ou um, ou dez.

Cada dia um recomeço, uma novidade, algo interessante a ser descoberto.

É como acordar de um sonho bom todos os dias, e sentir ele transcender para a realidade toda a sensação onírica que existe enquanto repousa em sono profundo.

Nada paga ou compra isso.

Nem a quantia mais hiperbólica faz alguém largar mão disso.

"

Autor : o sonhador acordado e lúcido.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Um recado sobre a realidade

Pretensão em machucar, ofender, verborragizar calúnias e atrocidades, eu nunca tive.

Simplesmente em algumas circunstâncias não soube conter meus ímpetos, e em consequência, acabei maltratando e destratando, verbalmente, pessoas próximas e de extrema carência e significância para mim.

À todas elas, eu peço, que se possível, concedam-me perdão.

Obrigado.


Autor desconhecido.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Espetáculo de tolos VI

Há algumas semanas abstive-me de atualizar essa seção. Nada ocorreu-me e até mesmo agora estou sem observações e comentários austeros e analíticos.

Mas de qualquer maneira, vou atualizar porque fiz um contrato mental para comigo.

Você sabe o que é a vida?

A vida não passa de um vislumbre do que poderíamos todos ser, caso fôssemos mais cerebrados e contemplativos.

Gravação Mental II

Como é bom relembrar os tempos de colégio e a escola literária do século XVIII na Europa.

Inutilia truncat e carpe diem.

Aonde você pensa que vai chegar?

Não procrastinar o eventual, o mundano, o essencial, o vital, o ordinário, o necessário.

Procrastinar leva alguém a lugar algum.
A lugar nenhum.

Em mudança de ponto na mesa

Há três meses senta-se contíguo a janela da agência. E durante esses três meses tem observado o ir e vir de pessoas em uma das ruas mais conhecidas da localidade.

Às vezes pensa se não deveria sentar-se em outro lugar. Experimentar um outro ponto da mesa.

O computador lhe proporciona essa mobilidade. É um laptop prateado com filetes acinzentados nas bordas. Uma tela de 12", crê que seja isso, não tem plena confiança nessa informação.

O ponto da mesa é uma metáfora à algo mais transcendente, mais significativo e reformulador.

Uma revolução do posto de trabalho precisa ser feita, urgentemente.

Para manter a sanidade mental intacta e para reanimar e revitalizar o processo criativo.

Que alguém lá do alto dessa grande massa cinza-branca-azulada me ajude.

Nada de crente, evangélico, católico, protestante, agnóstico, hinduísta, xintoísta, islâmico, judeu, mórmon, ubandista, confucionista.

Só alguém tentando encontrar o seu novo ponto na mesa.

Mesa essa de vidro temperado e compartilhada com mais quatro amigos.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Gravação Mental nº I

Tentar ser mais atento e menos esquecido.
Ficar sem cartão, documento e dinheiro é foda.

Estou refém. Sem estar aprisionado.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Às cinco e quinze, somente eu

5:11am.
Olha para o relógio e sinto as minhas olheiras.
Elas crescem sem parar. Infitamente.
Largamente. Pretamente. Visilmente.
Demasiadamente. Negramente. Lugubremente.
Exponencialmente.

5:12am.
O sono começa a recair novamente.
Levemente. Vagarosamente. Friamente.
Calmamente. Caladamente. Incessantemente.
Frequentemente. Fortemente. Calorosamente.
Exponencialmente.

5:13am.
Vou me desligar perenemente.
Seriamente. Sonambulamente. Ultimamente.
Verdadeiramente. Serenamente. Tranquilamente.
Complicadamente. Solenemente. Desiludidamente.
Exponencialmente.

Sozinho.

5:15am.

Por essa, que eu prefiro fazer arte

"
A diferença entre fazer arte e terapia é que, se eu ficar um dia sem escrever, eu não preciso pagar a sessão.
"

Ele para Ela. 
.apenas o fim.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Um futuro bem presente

Acordou de átimo. No susto. Não conseguiu se localizar.

Viu algumas peças de roupa espalhadas pelo chão. A sua camiseta preta-desbotada-velha-que-sua-mãe-queria-que-jogasse-fora, mas recusava-se sempre. Um pé de meia ao lado da cama e o outro em um dos braços do mancebo. Achou estranhíssima a localização, porque nunca jogava as meias, sempre as colocava ao lado tênis ou dentro do mesmo.

O tênis! Onde estavam seus tënis? O All-Star branco surrado já era parte de sua vida. Caminhou muitos quilômetros com ele. A pé ou de carro. No calor e no frio. Na chuva ou no sereno. "Que caralho! Onde eles tão?" - pensou ele, quase tão alto para sair o som dos lábios.

Levantou, começou a vasculhar todos os cantos do quarto, milimetricamente. Não podia ter perdido, esquecido em algum lugar. Tinha que estar lá. Em algum lugar, enfurnado, nas sombras da escuridão. O lugar mais óbvio foi onde ele os encontrou. Embaixo da cama. Quase encostados na parede na outra extremidade. Esgueirou-se por debaixo do estrado de madeira seca e alcançou o cadarço de um dos pés. Miraculosamente, o outro veio junto, sem medo, sem vergonha. Simplesmente foi caminhando como que de mãos dadas com o outro pé.

"Bom. Encontrei minha camiseta, minhas meias e meu par de tênis. Está faltando o quê por encontrar ainda?"

De repente, notou uma certa estranheza. Daquelas que dão um arrepio no meio das costas e vai percorrendo verticalmente toda a coluna, as vértebras, as estrelas, até alcançar o cume da nuca.

O quarto continuava escuro, mas no meio da neblina turva que pairava sobre seus olhos, conseguiu ver um quadro pendurado na parede oposta a ele, logo à sua frente.

Foi aproximando-se. Pé ante pé. Dedo perante dedo. Perna atrás de perna.

Quando chegou a uma distância consideravelmente propícia do quadro, esfregou os olhos e não pôde acreditar no que vira.

O mural de fotos de sua namorada. Do mesmo jeito que estava na noite anterior.

Começou a roda gigante de sensações neste exato momento. Ele olhou para sua esquerda e viu o armário onde ela guarda todo o seu estoque de estilo e tendências, mais ao fundo, podê ver um quadro com uma ilustração de seu cunhado, provavelmente na casa de seus 3 / 4 anos.
Mais um pouco a esquerda, viu a porta do banheiro.

Há muito não entrava lá.

Tinha estado nesse habitáculo somente uma vez, e em uma época muito conturbada de sua vida. Quando nada era o que parecia ser e ele não era nem um décimo do que ele é hoje.

Segurou a maçaneta da porta, que de imediato rangeu os dentes na palma de sua mão. Girou-a suavemente. Ouviu o clique do destravar. Ela abriu sem reclamar. Sem temer. Entrou. Olhou para a pia, abriu a torneira, e com a água corrente que jorrava, lavou o rosto. Não podia acreditar naquilo.

Tocou o espelho do banheiro, deixando a planta de sua mão gravada com gotículas, do que em breve sera vapor e sumiria, deixando apenas as suas digitais. Fez um giro de reconhecimento no banheiro para se familiarizar com a disposição das toalhas, do box, dos produtos que sua namorada usa para se maquilar. Ele sabe que ela não precisa. Naturalmente já é linda. Uma pele suave como nenhuma outra antes tocada. Os olhos mais bem definidos e encantadores que o conquistou. Os lábios finos e corpulentos que mais desejou beijar em sua vida. A pomada para o cabelo loiro-moreno-aura tocado pelos raios do sol.

"Como ela é linda. E tudo isso só engrandece ainda mais a sua beleza. Torna-a mais desejável, mais encantadora, mais sexy, mais sensual. Tudo nela é perfeito. Até a escolha dos produtos, que não faço a menor idéia de quais são as marcas." - Suspirou sozinho olhando-se no espelho. Seu semblante apaixonado e sonhador. O espelho tocou suas estrelas com os olhos de vidro.

Caminhou o pequeno percurso do banheiro até a cama.

Sua namorada. Rosto sereno. Alma grandiosa. Corpo sensual e bem torneado. Ela dormia profundamente. Sua respiração contínua levantava sua caixa toráxica e avolumasa seus seios bem definidos. Seus olhos tremiam ininterruptamente, como se estivesse em um viagem sonhadora. Sua boca entre aberta deixava escapar alguns sopros de vida.

Ficou ali. Parado. Petrificado. Paralisado. Simplesmente observando-a dormir. Tranquilamente.

Cada minuto que passava, tornava mais evidente que não era uma ilusão. Real. puramente real. Ele estava no quarto, com a namorada dormindo perante seus olhos. O peito desnudo, as costas estreladas encostada no móvel que sustentava a televisão.

Seu peito arranhado evidenciava o quão intensa tinha sido a estadia dele naquela cama, naquela noite que transcorreu por completo faziam apenas algumas horas. As marcas da paixão, do desejo, do tesão cataclísmico que recaiu sobre ambos.

Pegou o celular jogado ao chão e pressionou um botão lateral. Uma luz no display acendeu e revelou o horário. Oito e quarenta e sete da manhã. Sábado. Dia Vinte de Dezembro de Dois Mil e Oito.

Realidade. Seminua. Arranhada. Verdadeira. Crível. Linda. Almejada. E realizada.

Escorou a cabeça no móvel. Olhando fixamente para sua namorada. Com os olhos fechados e o peito aberto.

Caiu em sono novamente.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

As quatro estrelas de duas constelações

Completara dezenove anos haviam três meses. O mundo inteiro diante o seu rosto e quase duas décadas trilhadas. Anos repletos de turbulência, desavenças, crenças perdidas, amizades adquiridas, outras distanciadas.

Não parara para fazer um balancete de sua vida até aquele momento. Estava cursando o que gostava e tinha prazer em fazer, publicidade e propaganda. Era uma faculdade de renome, uma infraestrutura bem organizada e que dava à ele e todos os outros alunos o que era necessário em termos teóricos e práticos, para aprenderem sem deixar lacunas.

Era o que pensava. Muito ainda estava por vir, e mal ele sabia disso.

Aos dezessete, riscara seu corpo pela primeira vez com a tinta eterna, em termos terminológicos, e não práticos. O traço era oriental, um kanji. A junção de dois ideogramas formando um único e absoluto emblema. O significado: eternidade.
Mais simbólico que isso era impossível. Tatuagem é eterna. infinita, carregada para onde quer que vá. Um transfer agulhado por uma máquina nervosa e pulsante, desferindo socos de coloração com uma velocidade impressionante de ver-se.

A partir daquele dia, sabia que a sensação de coloração na pele, as beliscadas da agulha em suas costas e a dor interminável de uma hora e meia de agulha dinâmica seria o seu dogma. Uma filosofia. Um rito. Um mito de passagem, de transcendência. A libertação da alma e a quebra de algemas de seu corpo, dando lugar a uma identidade nova. A verdadeira faceta daquilo que sempre fora. E agora era revelado ao mundo.

Dois anos se passaram sem o corpo ser traçado. As únicas linhas que marcaram ele foram as da idade, as olheiras que acentuavam o seu cansaço e os riscos de caneta que ficavam em suas mãos, seus braços, anotações de livros, notas de telefones e lembretes de pensamento pinçados.

Resolveu que estava na hora de libertar seu corpo mais uma vez do pedaço de papel que definia a sua personalidade e restringia a sua ascenção.

Sempre fora aficcionado por estrelas. Seu brilho intenso e ofuscante. O piscar, como se fossem olhos enxergandos todos à milhões de anos luz no universo. Mutias das que via já não existiam mais, em vista que estavam mortas e só então conseguia observá-las. Sua luz demorara anos para chegar aos seus olhos e cintilá-los com um leve amanso na alma e um toque nos cabelos.

Decidiu que três estrelas seriam rabiscadas e pintadas em suas costas, e a maior delas guardaria a eternidade bem no meio, como um presente precioso que estaria recebendo logo após a chegada. Um símbolo de inestimável carinho e ternura.

Esteticamente bonita. Simetricamente perfeita. Alinhada ao meio das costas, suas vértebras ao centro das estrelas. Nunca brilharam. Mas ele as sente a cada momento. Intrísecas ao seu corpo, cintilantes e eternas em sua carne. Acalmando a sua alma. Apenas três. Nenhuma a mais, nenhuma a menos. As três que fecham a sua carapaça inteiramente. Somente seus traços. Suas linhas. Sem preenchimento. Sua pele exposta acerca de cada uma delas. As marcas da vida, do tempo, da idade, das noites bem dormidas e dos dias mal vividos.

Tudo tinha o seu devido significado. Em algumas vezes perdia o controle de seu cérebro, sua mente acelerava freneticamente, desvairadamente. Pensamentos ininterruptos, desconexos, a-cronológicos. Mas da mesma maneira que perdia, recobrava e em minutos o auto-controle estava operante uma vez mais.

Eram as estrelas. Suas guarda-costas da alma. Da mente. Do dia-a-dia. Das situações corriqueiras. Dos cenários improváveis e inimagináveis. Presentes em sua totalidade e unicidade. Cada uma delas. As três em forma reta. Um princípio de constelação. O indício de algo grande, transformador. Revelador. Único.

Os anos foram passando. Os dias transcorrendo sua vida, seus olhos, seus pensamentos, sua mente. As semanas de vento inquietante durante seu sono, os dias de chuva que apareciam de surpresa. O sol escaldante dos finais de semana de fim de ano. Na praia. Na rua. Na calçada. No carro. Na areia. No chuveiro.

As estrelas firmes e fortes, não escorriam com a água. Não desfaziam-se com as unhas que o arranhavam. Nem um risco elas tinham. A vida não as maltratava. Era impossível. Inviável. Indelével.

Mas um vão existia entre ele e ele mesmo. Entre sua alma e seu espírito. Seu cérebro e as conexões nervosas dos pensamentos inquietos.

Aos poucos, tudo foi se encaixando. Sendo desvendado perante seus globos oculares, cansados de tanto correr as linhas dos livros, as páginas de internet, as placas nas ruas, os nomes das pessoas, os endereços das festas.

Já estava traçado a mais tempo do que fora imaginado. Ele sabia. O caso era o tempo passar. Simples assim. Dê tempo ao tempo. Filosofia pessoal de sua vida. Outro dogma. Vivo e vivenciado sempre. O tempo cura e cicratiza tudo. Menos o que você quer pulsante e em carne viva, vertendo sangue e transmitindo vida. O caos do corpo humano. O fluxo do elixir da vida.

O tempo transcorreu exatamente como previra.

Agora sentia-se completo. Sente-se completo. Parte integrante de uma revolução. De algo maior do que sua compreensão tem conhecimento.

Sente-se vivo. Mais do ontem e menos do que amanhã.

Aproveita todos os momentos, todos os segundos.

Aos olhos dos outros parece loucura o que faz. Os riscos que corre. As situações em que se mete. As horas de sono bem-acordadas-mal-dormidas. As incontáveis latas de energéticos para tirar-lhe o sono durante as horas de trabalho e logo pela manhã.

Não importa-se com nada disso. Sabe muito bem o que está se passando em sua vida. Tem seus valores, seus métodos nada ortodoxos e religiosos. Não permite que nada afete as suas responsabilidades, o seu desempenho.

O átimo de suas ações tem um propósito. Um objetivo. Um foco único e perfeitamente especificado. Declarado à todos que queiram ler, ouvir, saber, conhecer, divulgar, divagar, repassar, informar, comunicar.

Ele agora tem duas constelações.

Uma à suas costas. Três estrelas focas e cintilantes.

E outra à sua frente, de uma só estrela. Brilhante e viva. Pulsante e tranquilizadora. Maravilhosa e perfeita.

E agora só falta declararem o feriado das constelações para ele enlouquecer.

Era uma vez, um mês...

"
No mês em que o vermelho do semáforo era melhor do que o verde. No vermelho os enamorados se beijavam e as pessoas dos outros carros sabiam. E os transeuntes paravam para ver, e a moça desconfiava enquanto cantava no rádio. Todos sabiam do frescor que era cada novo beijo, e toda a malemolência das línguas salivantes e molhadas que se cruzavam antes do farol se abrir.

O mês era de lanchonetes que serviam batatas que conduziam o encostar de bocas levemente salgadas por fora, mas com o suculento adocicado de todos os milk shakes que se pode consumir nesse mês. Mesa para dois, não fumantes, donos de si e donos do mundo. Coca- cola e suco de maracujá, e um garçom que tente interromper o abraço continuo.

O mês que revelaram o número do cartão e que se deu a chave de casa em mão do outro. A casa exibia filmes pouco convencionais e a cama de um era a segunda cama do outro. O mês em que sonharam com a terceira, a primeira dos dois em par. E seguiram mãos que se deram e pés de meia no cobertor, e as pulseiras de plástico no pulso, e idéias de feriado e beijos nas costas estreladas e entrelaçadas.

Fora o mês das fotos egípcias, daquelas que só aparecem de perfil. Olhavam um para o outro, na rítmica em que os flashes cruzavam suas imagens estáticas e deliciosamente apaixonadas.
Era o mês em que todos esperam viver algum dia. E eles inesperadamente se surpreenderam com a dimensão que um sorriso pode se estender.

Era um mês feito de finais e alguns dias em semana, todo diagramados para serem executados pessoalmente ou não. A música das mensagens no celular superava a marcha nupcial, e o conteúdo ultrapassava as palavras convencionais acostumadas aos olhos e ouvidos. O mês aconteceu de noite em noite, e algum intervalo de dia se passou na estrutura de um teatro ou na frenética agência publicitária.

Naquele mês não criaram caso, não recuaram um passo sequer, não discutiram sem acentuar o humor simples que transformava o tom sério em risadas.

Era uma vez um mês em que o tempo gritou, mostrou-se relativo e envolveu em um único espaço dois corpos. Contra qualquer teoria, regra ou rebeldia. Criaram algo novo no mundo.

E depois desse mês, os caminhos não iriam se cruzar mais.
Já que agora um é o próprio caminho do outro.
"

by Maria Fernanda Loverra

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Uma viagem analítica pelo expresso diário das contradições realistas

Todos os dias milhares de pessoas cruzam o caminho umas das outras sem darem a menor importância ao que isso pode significar na alma da outra. O impacto que um simples esbarrão ou uma leve trombada pode marcar no caráter e naquele espaço de tempo que se torna infinito ao mais atento dos olhares.

O trem acopla-se a plataforma, abrem-se as portas dos vagões. Mas um deles, naquele dia, tornaria-se especial para setenta pessoas que estavam prestes a vivenciar um abrir de olhos como igual não poderia existir, ou não era-se sabido até então.

Um simples e trabalhador de uma construção liberta-se de toda a vergonha que pode ter e folheia as páginas de sua vida para todos os passageiros mascarados e desinteressados. Ele fala porque tem necessidade. Muito pode-se aprender com o mais simples dos seres humanos. Um que tenha alma pura, que saiba o valor que o trabalho transmiti. Ele sabia muito bem o que falava, em cada frase, cada pausa que era feito ou levemente deixada de lado.
Servente de pedreiro é a sua função braçal e empregadora no dia-a-dia. Experiencia bem, até por demais em alguns casos, como que constrói-se uma base sólida, rija, que provida um alicerce à algo que está para ser construído. Sólido e concreto. "Broco e cimento! Broco e cimento", era o que ele sempre frisava. Eram os elementos que tudo deve ter para prosseguir, para existir. Desde um prédio, até uma família, uma amizade.

Parada para o segundo embarque de passageiros no complexo da realidade.

Um jovem de seus dezoito / dezenove anos adentra o prédio suspenso pelos trilhos e começa a conjecturar sobre uma teoria velha, arcaica, mas que em um momento remoto de um passado ainda vivido e muito presente, teve algum sentido para uma geração nacional européia.
Muitos piamente seguiram isso como tantos no planeta seguem a Bíblia, o Alcorão, o Torá.
O propósito desse rapaz era único e resolvidíssimo: instaurar uma situação caótica e temerosa em todos os ocupantes de cadeiras ainda vazias do carro de liga metálica e vidro que anda em um asfalto de eletricidade.
Palavras de mal gosto, baixo calão, ofensas e impropérios são proferidos durante toda a sua permanência. Sempre corroborava a teoria com uma teoria filósofica que nas mãos de um ditador com dotes de artista e alma maquiavélica, tomou proporções catastófricas e nunca antes imagináveis.
"Übermensch, raça ariana! Pureza! Extermínio! Operação de limpeza começa agora!"
Muito vê-se nessas palavras. Basta contextualizá-las para conotar o significado que cada uma delas têm, perante o que foi começado sessenta e nove anos no passado.
Para ele, todos que não fossem dignos de serem puros, não tivessem a essência, a classe, sem exceção, deveriam ser eliminados. Desde negros, judeus, deficientes, até homossexuais, viados, transsexuais e inválidos. Um jovem guiado por um idealismo senil e fora de época, mas ainda muito seguido por uma vastidão de pessoas.

Outra parada do expresso da verdade. O confronto entre o jovem hitlerista e o ápice de sua raiva e fúria. Um transsexual. Muito vivo e extasiadamente feliz com sua vida.

Somos testados durante todo o tempo. Até mesmo quando não achamos estarmos dentro de um universo avaliativo, percebemos algo que nos traz à realidade mais uma vez e somos atingidos com toda a fúria e crueldade pela vida externa.
Seu nome, Soraya. Vinte e três primaveras transcorridas até agora, e quinze como o que vemos hoje. Uma mulher decidida, coesa e objetiva. O que ela quer, corre e com suor e muito empenho conquista. Ninguém lhe diz que não é possível. Ela simplesmente vai e faz. Sem medo. Sem receio. Sem preocupação. Decidida.
Este seria o mais feliz e trágico dia de sua vida. Mal sabia ela que a 'Operação Limpeza' já havia começado na parada anterior.
Tinha feito todos os preparativos, comprado as alianças. Um vestido feito sob encomenda pela costureira já estava em suas mãos, dentro de um saco preto, representando o que estava por vir.
O que um atraso não faz com a vida de uma pessoa. Ou o que ele faz. Ela não teve tempo de reagir. Não teve trégua. Não teve racionalização. De hora para outra, estava estirada, com seu vestido prata avermelhado, sua bolsa derramada no chão, um par de alianças molhadas pelo fluido ainda quente de seu corpo e uma frase escrita em seus restos mortais: "Começou a Operação Limpeza". A suspeita recaiu sobre seu noivo, com quem ia casar-se assim que saísse do trem.

Outro intervalo para o embarque de um embate de visões confusas, obscuras e turvas.

Vendedor de bala / chocolate / chiclete / salgadinho / água todos vêem, conhecem, em certos casos até ajudam, mas neste cenário, os transeuntes eram meros espectadores de uma briga de opiniões cegas.
Um defendia a supremacia da ração do cacau negro, de casca marrom, que transmutava-se no chocolate ao leite, como conhecemos. O seu algoz defendia e potência e a a teoria nietzscheniana até entrou para ratificar o que era assegurado por seu promotor cego: que o Überchocolate era o branco. O genuíno, o verdadeiro e único doce superior. Repleto de pureza, sabor transcendental e legítimo.
Mas ambos não haviam notado o quanto a cegueira os tinha acobertado a visão, em vista que um era o defensor do produto do outro, e não do que estava sendo vendido por si.
Um acordo foi acertado, mas respeitava uma lei falha e completamente discriminatória à raça negra, ao chocolate de cacau marrom, oprimido, desvalorizado e deixado de lado pela sociedade.
Dessa batalha, ambos tinham os olhos tampados pela justiça, pela balança que iguala o certo e o errado, o réu e a vítima. Um era o outro, e o outro eram eles mesmos naquele vagão, tentando descobrir-se por meio de uma composição açucarada e de imenso sabor.
Suas máscaras eram os olhos e os óculos, o protetor da realidade para a qual fecharam a vista e os sentidos.

Próxima parada: a perda do controle emocional e uma segregação um tanto quanto mistificada pela palavra do Senhor.

Não passava de seus dezessete anos. Loiro, olhos claros. Percebia-se logo de cara que vinha de uma raça nobre. Eletista. Tinha os melhores agrados e prazeres da vida. Desde cedo valorizou o profissional, o seu caminho a ser trilhado. Auto-denominava-se 'Especialista em análise de documentos". Era independente, apenas à primeira vista. Uma faixa de couro segurava-lhe os sentidos e fazia sê-lo calmo, amigável.
Ao notar a falta, descontrolou-se completamente ficando nu em pêlo. Como um dia tinha vindo ao mundo para crescer, viver, procriar e voltar às cinzas da terra. Seus gestos animalescos e furiosos mostravam a falta de noção, uma ausência incrível de auto-controle, de ter um norte. De centro e de lógica.
Rosnava ferozmente. Mas diferente dos outros. Eram rosnados falados, gritados. Berrados. Palavras. Sentenças. Indignação. Raiva. Verdades nuas e cruas. E duras. E sensíveis em seu próprio oposto.
Cansou. Recolheu-se a um canto da caixa de alumínio condicionada pelo ar gelado, colheu sua pele de tecido algodoado e partiu em disparate porta a fora.

No mesmo instante, em uma porta oposta, adentrava um senhor de terno com fino corte e seus dois filhos. Os tons de pele destoavam no ar gélido do box em movimento.
Poucos devem ter notado isto. E também pudera. Mal colocado os pés no vagão tinham, e o pai começou a profetizar sobre o MRSP - Movimento República de São Paulo. Um conglomerado de mentes empenhadas em segregarem o Estado de São Paulo do resto do Brasil.
Em alto e bom tom, para todos os corpos estáticos e respirantes acomodados em suas caixas de plástico, ele proferia palavras de afronta aos migrantes de São Paulo, aos nordestinos e paraíbas. Aos bahianos e indigentes vindos para cá com um único intuito: fazer a vida na tão sonhada e grandiosa capital.
Para ele, tal cenário era inconcebível. E junto à seu pensamento vão e pouco acomedido, seus filhos jogavam no ar cantigas de libertação com o apoio de seu amigo invisível.
Por alguma razão, eles criam que o poderoso e onipresente fosse adepto deste movimento, e para terem com o que conquistar os outros, usavam-no como que parte integrante da revolução paulista.
Uma revolução sem eira e nem beira. Com um fim mais marcante e óbvio que poucos recusavam ver. Um montante de três pessoas tentando mudar uma situação inexistente. Uma segregação que jamais virá a acontecer. Nem neste minuto, nem nas próximas milhares de horas.

Abertura de portas para a personificação da alma do ser humano. Suja, crua e ofensiva. Mas repleta de verdades.

Um corpo é jogado da plataforma cruzando a coluna vertebral do vagão. Este saco de trapos é uma pessoa maltratada por todos que estão ali, ignorando-a da ponta dos pés ao último fio de algodão de sua toca surrada.
Uma indigente como muitos outros que habitam as ruas, as veias da sociedade e o coração da cidade. Mas esta era diferente. Ela tinha a dizer. Contrações de letras que juntas formavam parágrafos cheios de ódio e raiva.
A cólera era visível. Seus olhos vermelhos de chamas liquefeitas previam o que estava por vir. Todas as repúdias que uma pessoa pode ter pelo universo a sua volta. Pelo próximo. Pelas atitudes mesquinhas e tacanhas que era obrigada a vivenciar a cada dia, pelo resto de sua vida.
O limite dessa desconhecida havia atingido o seu ápice. Estava prestar a entrar em erupção há tempos. E este foi o momento infortúnio para tal. Infeliz para os outros que arcaram com sua fúria, seu fronte potente e municiado de letras pesadas e duras. De substantivos e adjetivos denotados por anos de uma experiência cruel de se passar.
Nem uma só alma deu atenção a nobre mendiga, ao cavaleiro branco dos sórdidos e dos oprimidos. Parecem nem ter surtido efeito a rajada de berros e esporros verbais.
Restava-lhe mais uma vez voltar ao mundo. Imundo e frio. Mas antes, um recado foi dado. "Um dia eu volto! Eu sempre volto. Eu estou na minha casa, e mais dia menos dia, vocês vão esbarrar em mim novamente!"

Uma personagem a muito calada neste vagão resolveu manifestar suas idéias e medos. Angústias e ferocidades.

Seu nome, Maria. Não só mais uma das infindáveis Marias deste mundo. Uma Maria Madalena, "daquela que também tem que aguetar as pedras", em suas próprias palavras.
Dezenove anos de idade. Um filho de três anos e a revolta de uma gestação feminina de sete meses em sua barriga era o que carregava. Além de uma sacola e uma mochila em suas costas. O Atlas pode ser uma mulher, afinal elas são as que carregam o mundo em seu ventre, quer os homens queiram ou não.
Corajosa a menina Madalena das Marias. Estava indo visitar o marido / namorado-traficante na cadeia. Estava preso há seis meses. Amicíssimo do dono da boca na Vila Elba. Não bastasse ter que ir visitá-lo acordava cedo para fazer o bolo favorito do companheiro em crime encarcerado e ainda passava um café fresco, que era despejado em uma garrafa térmica para mantê-lo aquecido e saboroso.
Tomava o mesmo trem até o local de baldeação, de lá pegava um ônibus até o presídio. Em meio a essas transições de cenários, estava passiva de ofensas, encoxadas em que a culpa lhe era atribuída sempre. Independente do caso.
Uma mesmo uma Maria. Das mais Madalenas que pisaram na face do planeta e na existência do universo.
Apenas dezenove anos e firme em suas convicções. Fazia das tripas coração para dar o que comer ao filho, e a filha que estava por vir.
Forte. Crua. Vivida. Mulher. Mas ainda uma linda e incompleta menina.

Pausa para entrada de uma vida apressada e corrida.

Mal sentou-se no banco com a roupa de academia suada e grudada ao corpo, puxou da mala sua arma de trabalho, um laptop branco, feito uma vela ainda por escorrer a cera quente.
Seus dedos começaram a fuzilar o teclado incessantemente, como se amanhã fosse tarde demais para recuperar o tempo perdido. E em sua profissão, o tempo não voltaria atrás. Jamais.
Seus diversos celulares tocavem como uma sinfonia descoordenada, mas que em seu fim, tinha uma rítmica única e inigualável, e seu maestro os manuseava com perfeita harmonia e consciência do que fazia.
Sua mãe a cada cinco minutos ligava para importuná-lo por não ter ido de carro, e a resposta era sempre a mesma, em diversas formas: "Mãe, hoje é rodízio do meu carro. Quinta-feira é final sete e oito. A placa do meu carro é oito. Não importa se fosse sete mãe. E eu tivesse dois carros. Sendo sete e oito, daria na mesma!"
E em meios aos berros no aparelho telefônico móvel e os dedos trabalhadores e calejados, ouvia-se bem baixinho um risca de caneta em um post-it amarelo. Alguma cobrança de sua mãe ou anotação de outra ligação que sempre atendia com a mesma saudação: "A Agência sou Eu."
Vida insana. Os olhos demonstravam o cansaço diário e os maus-tratos com o corpo. As bolsas escuras e pesadas sob seus globos oculares indiciavam o esgotamento físico. E a falta de idéia para o conceito perfeito e simétrico corroboravam o escasso de sinapses e interação neural.
Mais dia, menos dia, seu cerébro pararia. Mesmo que ele não quisesse parar. Mesmo que ele não pudesse parar.

As portas se abriram e foi-se em meio a multidão o saco vazio de forças que era o publicitário e sua vasta falta de idéias, dando lugar a um tipo novo, diferente, insano em sua própria normalidade.

Ele chegou como quem nada quer e logo apresentou-se aos já moradores do expresso de personagens: "Vocês não me conhecem? Muito prazer. Meu nome é Ferreira!"
Avistou um lugar vago ao lado de uma moça e começaram a dialogar, jogar conversa fora. Falavam sobre futilidades de uma vida mundana como qualquer outra. Ele perguntou o que a afligia e logo na terceira hipótese já 'adivinhou'. Dinheiro. O mal e a sorte dos homens.
Uma sacola era tudo o que tinha em suas mãos. Dentro do casaco recortado de fotos de revistas de fofoca e atualiadades, tinha o corpo esguio, atlético e imponente de alguém que um dia fora um filho, um amigo, um sobrinho de alguém. E agora, era mais um entre a multidão.
O problema da jovem senhorita seria resolvido com o que ele tinha dentro de sua sacola, era o que dizia Ferreira. Que, entre uma proza e outra, continuava a apresentar-se, agora, somente a ela. "Ainda não me conhece? Prazer. Meu nome é Ferreira!"
Sua loucura era o que fazia seus pés ficarem fincados ao chão. À uma base sólida. Um terreno firme onde ele tinha apoio, tinha uma vaga idéia de o que seria sustentação.
Em meio a isso, o seu distúrbio esquizofrênico não foi notado por todos. Somente os olhos mais atentos notavam suas nuances, suas mudanças repentinas de comportamento. Sua distinção de realidade sumia e logo vinha ele mais uma vez para a introdução de si mesmo: " Ainda não me conhecem? Prazer. Meu nome é Ferreira!"
Foi com essa última apresentação que ele deixou a sua efêmera estadia neste trem.

Em meio a tantos personagens e tipos alucinantes, um professor incursiona o vagão de plástico e metal com palavras duras, mas simples. Em questão de segundos, que para os presentes pareceram horas, discursa sobre o que pode vir a ser o catalizador do fim de uma era.
"O simples apertar de um botão e a ignição do Grande Colisor de Hádron pode dar início a uma reação molecular que acelera as partículas a tal velocidade que um buraco negro pode surgir e tragar tudo e todos" , disse o professor.
Mas ele reflete e presenteia a todos com uma reflexão maravilhosa. "Ao invés de olharmos para um buraco negro e vermos a destruição, porque não olharmos para um buraco de luz? Uma iluminação que acolherá a todos e então entenderemos coisas até então deixadas de lado."
"E em meio a esse vislumbre iluminista, nós pensarmos e na próxima eleição, não votarmos?"

Assim como entrou, saiu. Falante e galante, mas calado e cisudo.

Um vagão como este, as pessoas andam todos os dias, quisá durante anos. Mas são poucos os que arriscam observar e refletir sobre todas as situações impostas pela vida e pela convivência com as outras pessoas que transitam os mesmos lugares.
Nem todos buscam compreensão. Simplesmente querem viver sua pífia e reles vida, sem preocupações, fora as suas.
Mas existem aqueles que em meio a tempestade e as nebulosas que o cotidiano aflinge, resolvem aceitar o que está diante de seus olhos e exercitar a mente para chegar à conclusões. Para gerar discussões nas rodas de amigos, em casa com os familiares. No ambiente de trabalho, junto aos colegas profissionais.

Existem pessoas que, sim, adquirem um passe para o Expresso das Contradições, e usufruem da viagem atemporal e filosófica.


Uma interpretação da peça "Mauá-Pirituba, O Expresso das Contradições"

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Liberdade poética para o relacionamento

"

juntos já perdemos a noção das horas.

e junto já jogamos todo o resto fora.

e quando eu te conheci

dei pra sonhar, rompi o mundo

queimei meus navios

e nós dois juntos, nas noites eternas, já confundimos tanto as nossas pernas

e na bagunça do meu coração meu sangue errou de veia e se perdeu em você.

e na bagunça do nosso armario

o meu vestido entrelaça a sua blusa quadriculada

e o meu sapato pisa no teu

e pra finalizar:

te dei meus olhos para tomares conta.

e agora não tem como partir.

=)

s2

"


by Maria Fernanda Loverra
(Música:
Chico Buarque - Eu te amo)