segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Duas vidas. Um disparo. E a danação

- Não! Não. Não!

Foram as últimas palavras ditas por aquela boca, segundos antes do dedo trêmulo ter puxado o lacre do revólver e disparado o projétil envolto em lágrimas.

O corpo, gélido, antes mesmo do flash enuveado de pólvora, cedeu lentamente ao chão, onde destoou do marrom do assoalho, ao mesmo tempo que um mar vermelho fluía do rombo mínimo, que varou-o como uma folha papel.

Ouve-se somente o interminável som do silêncio, juntamente ao início de um choro desolado, sem batimento cardíaco e razão de existência.

O lago começa a crescer, rubro e espesso. Toca os pés do atirador e envolve suas sandálias cor de creme. Em um instante, a fusão já estava completa. O pés, agora, estavam imersos no lago rubro ainda quente.


O corpo jazido no laminado de madeira ia purpureando à passos lentos, tranquilos.

Estava estático, como quando avistou a placa brilhante de cabo amadeirado na mão do algoz, segundos antes da luz incandessente acertá-lo.

Não teve tempo nem de pôr à prova o que dizem quando se está perto de morrer. A história de sua vida não deve ter passado diante dos seus olhos. E no mínimo espaço entre a bola reluzente queimante e o estrondo e quebrar de ossos do seu peito, é pouco provável que tenha parado para apreciar os slides de sua vida.

Agora são três e quarenta e nove da madrugada.

O vão silencioso é palpável.

Ninguém sabe deste homicídio. Poucos foram os que acenderam as luzes ao ouvirem o disparo.

Provavelmene pensaram ser um escapamento de automóvel e não deram importância.

O atirador com suas sandálias manchadas vai ao banheiro antes de abandonar o local.

Enxágua o rosto de traços finos e olhos amendoados. Suas mãos ainda tremem em menor intensidade.

Vislumbra-se no espelho. O lábio fino manchado de batom vermelho.

Sim. O crime foi passional.

Mexe na aliança dourada -reluzente-envelhecida alojada no dedo anelar.

Tinha acabado de matar o seu marido. O amor de sua vida. A razão pela qual acordava (in)feliz todas as manhãs.

O anel de compromisso cai duro e trincado no piso azulejado do banheiro.

Ela passa pelo corpo do noivo estendido e exangue.

Agarra a bolsa com força, teateia as chaves na fechadura. Destrava a porta e ruma corredor a dentro.

A luz no fim do túnel apaga-se com o cerrar da porta ao batente.

O fim de duas vidas.

Uma matrimonial e física.

E o início de mais uma danação psicológica no mundo.

Um comentário:

Taty disse...

Nossa... tenso isso heim...

>> Ti faz pensar... Nossa... como um simples ato pode mudar TANTO sua vida...

Take Care Lukeee