quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A Conferência

o clima insistia em permanecer nublado. o anúncio na capa do jornal era o mesmo de 4 dias atrás. as chuvas não iriam cessar.

os escombros continuavam rolando pela encosta litorânea, também do outro lado do mundo.

os japoneses não sabiam como impedir a catástrofe iminente. os centros meteorológicos previam um ano de caótico, sem prenuncio de melhora no horizonte. a luz no final do túnel começava a piscar intermitente.

cada passo a ser dado era meticulosamente pensado, estrategicamente manipulado. dar chance ao erro era um risco que não podiam correr. de forma alguma.

reuniões agendadas em todos os continentes. conselheiros de cada uma das nações foram acionados para uma reunião emergencial. palco: aseembléia da ONU. “Conselho Mundial de Solução Climática”. uma faixa carregava esse nome na porta de entrada do prédio das Nações Unidas. uma fileira interminável de policiais e soldados do exército americano formava uma linha de contenção humana. na frente, manifestantes enfurecidos esperavam uma explicação. em meio ao furor, distinguiam-se xingamentos e ofensas. no olho dos soldados e policiais, serenidade estampada até o último ponto da retina. o olhar fixo no pelotão de fuzilamento ofensivo.

uma guerra estava prestes a ser travada e, ironicamente, na frente do edifício que sustenta a preza pela liberdade e pela harmonia entre os países.

“Queremos solução!” “Nossas casas estão boiando, e você aí, só olhando?” “ Solidariedade já!” “Pelo dinheiro vocês lutam. E pela compaixão?”

esses gritos entoavam em meio ao coração de Manhattan, onde o prédio da ONU está instalado. os vidros dos edifícios contíguos tremiam com tal intensidade que foram ordens de evacuação foram instaurados. em menos de 10 minutos, um raio de 5km foi completamente lacrado. cavaletes da NYPD tomaram o lugar dos carros, das barracas de cachorro quente, dos carrinhos de taco. lojas comerciais, cadeias de fast food, bancos, máquinas de caixa eletrônico, praças. ninguém. ruas absurdamente desertas, dignas de filmes de faroeste. faltavam apenas as bolas de feno rolando para ambientar o cenário.

trovões.

poucos portavam capas de chuva para se protegerem diante da tempestade que caiu sobre suas cabeças. os toldos tinham sido recolhidos. alguns tentaram se alojar embaixo das copas das árvores. nenhum sinal de efetividade.

era o clima dando o tom de como as coisas seriam no decorrer daquele dia.

pingos pesados. estaladas. a mesma chuva que molhava os cabelos e encharcava as roupas, machuvaca os carros, trincava vidros. pedras de granizo. pinturas arranhadas, tetos e capôs amassados. algumas pedras tinham o tamanho de bolas de gudes, outras que arriscavam serem maiores que bolas de baseball.

na corda de contenção humana, os soldados continuavam estáticos. os pedregulhos que caiam do céu não aparentavam gerar incômodo, em contra partida, a massa de manifestantes começava a dispersar. no meio dos soldados, apenas um demonstrou enxugou a água que acumulava na testa para evitar de cair-lhe sobre os olhos. a exuastão era visível no semblante de cada um dos escolhidos para a formação da barricada uniformizada.

as placas e faixas e cornetas e alguns pedaços de pau acumularam-se onde antes estavam a horda em fúria. a tinta vermelha das faixas escorria pela sarjeta, formando um rio rubro. chegava a assombrar e espantar quem passasse em frente a rua. uma cena digna de batalha épica entre gregos e troianos.

do lado de fora, só restava o som da chuva. enquanto dentro do prédio, o que menos se ouvia eram as gotas batendo nas janelas.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Entregue-se

entregue-se.
àquele mar de sensações inebriantes.
preocupe-se em racionalizar menos.
sinta mais. da sua maneira, de uma maneira nova. por um mesmo ponto de vista, ou distorça-o até conseguir enxergar a mesma coisa com um detalhe diferente, uma linha branca tracejada cortando essa visão.
sinta mais do que o necessário. saiba o que é realmente perder o controle, ficar com a sensação de que sua vida não é mais sua, e sim de alguém, ou de algo, ou de vários alguens que você não pensa em viver sem. conheça de perto a expressão “perder o chão sob seus pés”.
sinta mais cada batimento cardíaco. sinta até você pensar que o que está acontecendo é completamente desconhecido. quando chegar nesse ponto, repouse sua cabeça no encosto do sofá, ou até mesmo deite, se isso for fazer você se sentir melhor, e deixe-se levar por essa experiência nova.
sinta seus olhos marejarem. e permita que o afluente que nasceu em suas pálpebras seja beijado pela luz da lua, que os holofotes das ruas iluminem a sua lágrima. permita que elas escorrem sem vergonha de existirem. chorar faz, também, bem aos olhos.
sinta aquele abraço acolhedor. seja envolvido pelo abraço. não importa como. se você for cumprimentar um amigo maior que você e ficar embaixo do braço dele, se o abraço é lateral, com uma mão no peito do amigo e a outra no ombro. aquele abraço em alguém que você não vê há tempos e quer viver aquele momento pelo resto da vida. um abraço do dia a dia, rápido, mas afetuoso. permita ser envolvido pelo abraço que faz você perder a noção do espaço-tempo, aquele abraço que congela os minutos, que quase consegue atrasar as horas.
sinta mais e tente indagar menos.
deixe as incertezas de lado por um instante, e lembre-se como era ser livre antes de carregar o peso do mundo às costas e aproveitar cada sorriso com os amigos, cada conversa de bar que fecha um bar e vai para outro e às vezes acabando na calçada de alguma rua, aproveitar aquele domingo de sol para fazer absolutamente nada, sair da cama, ir para o sofá, levantar do sofá e ir para a cama de novo, correr na chuva como quando você era criança e sua mãe não permitia porque “vai pegar gripe, meu filho! sai da chvua!”.
sinta de verdade que tudo começa de novo ao abrir dos seus olhos pela manhã.
encare como um novo começo, todo dia.
sinta tudo como da primeira vez.
e sinta mais.
e melhor.



Meu, para o mundo.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Foi

solto pouco
louco muito,
sempre desenfreado,
sem freios, cavaletes,
muretas para pará-lo.
entorpecido diariamente
fugindo do passo
em direção ao presente incerto
com certezas que o futuro será melhor.
fez as malas.
bateu a porta às suas costas
uns trocados no bolso,
moedas de época,
com validade atrasada
multas não pagas,
dívidas em cada esquina.
procria contas,
muitas contas,
pouco pequenas.
quis o mundo.
acabou-se em um mar.
o oceano de cheques rasgados.
cédulas picadas.
cartão picotados,
como seus livros.
livros nunca escritos.



Meu, para o mundo.

Ela Vai Caminhar

sua vida vai caminhar.
sua palavra não vai esperar,
página por página será escrita,
alegrias tornar-se-ão memória,
frases soltas às histórias,
lembranças breves da infância,
pipas jogadas ao vento,
banhos de sol no jardim do mundo.

sua vida vai prosseguir,
sua estrada vai expandir.
com o calor do coração,
com as mãos em posição,
posição de oração.
braços levantados aos céus,
nuvens brancas no pano azul,
em fundo nu.

sua vida não vai prolongar-se,
sua vida não vai te esperar.
ela vai seguir
mãos dadas com o destino
perdendo-se em desatino
abraços fortes,
risadas altas, olhos finos.

sua vida vai.
caminhar, sem te esperar.
crescer, sem você acompanhar.
perdurar, enquanto você quiser
viver.



Meu, para o mundo.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Mais do que Poderia

no meio da testa,
o famoso terceiro olho,
aquele maldito que dizem tudo ver.
maldita hora que aparecestes,
oráculo dos infelizes,
companheiro eterno dos cabisbaixos,
chega de ver em excesso.
rebobine, por favor.
volte ao ponto de partida,
o início do jogo,
prometo apitar direito,
fazer marcação homem a homem,
sem deixar bolas escaparem.
entrarei de uniforme completo,
flâmula estampada no peito,
marca íntimo no seio.



Meu, para o mundo.

Outra Hora

maldita luz. justo na hora errada resolveu aparecer. sem problema. será? que será possível contorná-la? deixá-la no plano passado? sem ter que carregar essa angústia dia sim, dia sim, caminhando lado a lado com as coisas importantes? com as situacão significativas? com a resiliência que julga-se ter o músculo coronário?
os pés continuam a tocar o chão apenas com a ponta dos dedos. completamente ralados, esfolados do vai e vem de chinelos aos finais de semana, pelas idas à padaria para comprar pão e leite, pelo caminhar no parque durante o domingo ensolarado. um corpo constantemente cansado é difícil de ser carregado para cima e para baixo, ainda mais com o acréscimo do mundo às costas.



Meu, para o mundo.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Longo Muro

partiram.
fugiram da loucura,
buscaram o ermo,
o sereno. aquele pedaço tenro,
sem ligeirismos.
encontraram-se no pedágio da vida,
troxas nas costas,
chinelos calçados,
coloridos harmoniosamente,
alma sorrateiras, eternas.
recíprocas verdadeiras.
leves e soltos
com o futuro a Deus dará,
resolveram arriscar.
lenços na lapela,
tatuagens na costela,
em segundo veio o começo,
deixaram a rotina definir o futuro,
nem lembraram do porto,

saudade do porto seguro.

ancorando juras,
naufragando perjurios,
levantando promessas
afastando rédeas.
impróprios passados,
passos largos abrindo janelas,
cenas pitorescas no parapeito,

saudade do porto seguro,

balaustre do mundo,
andavam, pé ante pé.

pelo fino frágil muro.



Meu, para o mundo.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

M's

mundos moles.
muros marrons.
métricas maiores.
marias madalenas mímicas
mários, manuel e machado, mutilados.
mesas mexidas, molhadas,
mel mundano,
mantas magentas manchadas.
mantos místicos
mentores, mestres, missionários
minúsculos movimentos metódicos
maiúsculos municípios mesclados,
meretrizes, mães miméticas.
momentos.
marcas.
mãos.
más.



Meu mundo.