sábado, 14 de agosto de 2010

Pilha de Fotos

Passaram-se dias. A pilha de fotos aumentava exponecialmente, a pilha de sentimentos crescia e já escorria pelo tapete encardido embaixo da mesa de centro. As fotos eram de vinte, quarenta anos, sessenta anos atrás. As viagens, as paisagens, os beijos. Uma infinidade de olhares. Uma eternidade de mãos entrelaçadas, sorrisos trocados. Um sem fim de países visitados, de pontos turísticos registrados em quilômetros de rolos de filme 35mm. Tudo parece distante agora. Cada cílio fechado, cada pedaço de roupa trocada, tocada. Cada abraço dado e desfeito em questão de segundos. O passado voltou para assombrar como sempre, é do seu feitio. As fotos vão desmoronando. Pouco a pouco, como uma cachoeira em câmera lenta, é passível evitar sua queda e a colisão iminente. Tudo ao redor para, congela-se. Ficou para um próximo segundo. Um próximo sorriso aberto por um abraço dado e um beijo estalado na bochecha esquerda. Ficou para uma próxima vida, não tão longe, mas nem um pouco próxima. A vida seguiu, assim como as fotos que caíram. Foi um curso-colisão-rota inevitável, irrefreável.
A pilha desmorona aos poucos. As cores ficam turvas, fundem-se, viram um pastel-azulado-com-toques-alaranjados. Os pés tocam os cabelos, as mãos mesclam-se com a cintura-violão da loira, os olhos agora são o nariz de cada um, solto no espaço. Seguiu-se o trajeto. As histórias sem envolvem, evoluem, dissolvem como tinta na água, homogêneas como água com açúcar. Restaram as alianças soltas. Sem dedos para formar um par. Um casal entregue ao sucesso, rumando de encontro ao fracasso de um amor etéreo. Fim antes de ter saído do papel. Ficaram as lentes de contato expostas tempo demais, ou ambos cegaram-se com tanto sentimento? O futuro chegou cedo demais, ou eles envelheceram e desenvolveram tantas manias insuportáveis que o presente virou passado?
Metade da rota de colisão com o tapete encardido embaixo da mesa de centro. Algumas fotos são paradas pelo tampo de vidro da mesa. O peso delas trinca o vidro. Encobrem os livros, as folhas com textos velhos manchados de café. Derrubam latas de energético vazias, tombam amores, estraçalham horrores e temores. Ficam marcadas de cinzas de cigarro. Acendem charutos, servem de combustível pra lareira do coração. Cada pedaço de papel com tinta marcada gerou um registro indelével, indefectível. Doloroso. Agora, dolorido. Restou a marca, o crivo da verdade nua e crua no coração pulsante.
Colisão completa. Resultado da batida: 1 coração quebrado. 1 mente perturbada. 12.403 fotos derramdas, como vinho, sobre o tapete encardido.



Meu, para o mundo.

Um comentário:

3ernardo Tavares disse...

SHOW!

Tem uma levada quase musical.