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mais um recomeço.
mais um ponto de partida.
mais um retrocesso.
mais uma perdida pelo caminho.
mais uma indefinida.
mais uma largada na contramão da vida.
mais uma vez.
sempre outra vez.
repete-se a vez,
e a vez repete-se.
de novo. e de novo.
em busca, sempre,
de mais um novo.
Meu, para o mundo.
fazia tempo que não sentava.
sentava e sentia, me permitia.
fazia alguns dias que não a via,
radiante, ofuscante, bela.
nos meus olhos, ardia.
adia o peito estufado,
a lufada de ar engasgada,
o sopro encantado, o braço encostado,
coração escorado. de canto, ao relento.
me permitia sentir tudo novamente,
outra vez, mais pulsante, medroso e transpirante.
dominical circunstância. discrepância de épocas.
sensações e sentimentos passados, à tona
empregados.
pretérito perfeito do futuro presente.
latente. doente.
em mente ausente.
Meu, para o mundo.
os dedos em ritmo acelerado começaram a diminuir o tamborilar nas teclas. o silêncio começou a predominar no recinto. a música batendo em seu martelo foi cessando. silêncio total. o fone ficou acoplado em suas orelhas, como de costume. as nuances continuavam a ressoar em seu tímpano, fazendo-o cantarolar mentalmente as letras, acompanhando sua tentativa de canto com o balanço de sua cabeça para esquerda, para esquerda novamente, e fazendo o mesmo no sentido contrário. permaneceu assim por alguns instantes. sensação de dever cumprido e comprido. foram muitos dias sentado em frente ao computador, com sua mão repousada sobre as teclas, esperando o primeiro estalo do que poderia ser mais um verso, uma estrofe completa com rimas - mesmo não sendo esta sua preferência. estalos diferentes daqueles sonoros feitos com os dedos. esses, ele deixava para utilizar como acompanhamento nas músicas. pensou em recolher suas coisas espalhadas pela casa. canetas jogadas na mesa da copa, uma infinidade de cores. tinha-as sem saber porquê, usava sempre a azul e a preta, mas nunca até a último suspiro de tinta, sempre perdia-as no decorrer do trajeto entre o quarto e a sala, mas temia que fosse um ladrão imaginário quem as roubasse. abstraiu o pensamento e continuou pensando na arrumação. tinha uma mala para guardar todos os seus pertences, inclusive a muda de roupa que estava lavada, mas não pronta, sobre a máquina de lavar na lavanderia, esta que ficava nos fundos da casa, em um casebre anexo. deixou as roupas por último, na mala talvez não coubessem-nas de modo ordenado. preferiu embalar em plástico bolha a caneca com dizeres em latim que havia adquirido em um site de materiais para escritório. levava-a para todos os cantos, inclusive nas viagens aos finais de semana para a praia. estar bebendo da caneca com aqueles dizeres fazia-o sentir-se bem, conhecedor de uma época que sonhava desde criança ter vivenciado e experenciado. os discursos nas ágoras, as tardes junto aos escribas. as letras sempre o fascinaram, desde menino. o primeiro livro lembra até hoje: Os 12 Trabalhos de Hércules, de Monteiro Lobato. o mundo épico fazia sua mente divagar, imaginar cada detalhe daquela história fantástica, digna de um filme a la Ben Hur. daquele dia em frente, sua vida não foi mais a mesma. a frequência aumentou para 1 livro por mês, sua leitura ainda não era tão dinâmica e utilizava o dicionário para pesquisar o significado de palavras truncadas e rebuscadas. com o vocabulário enriquecido e o avanço da idade, a média aumentou para 2 livros por mês, independente do tamanho, da intensidade e profundidade do vocabulário. com o passar do tempo, foi incorporando métodos a sua leitura, circulava palavras à lápis para pesquisar no dicionário, transcrevia-as para o computador em um arquivo intitulado “vocabulário”, este sempre exposto na área de trabalho. os livros inspiravam-no enormemente. cada história dava-lhe ideias para escrever a sua. a linguagem e rapidez de narrativa dos autores acabou por doutrinar sua forma de escrever. os livros. lembrou dos livros espalhados pela casa. Goethe no rack da sala ao lado da TV, Descartes na mesinha de centro da sala, próximo a “A Divina Comédia”, com algumas cinzas de cigarro batidas sobre a capa. No seu quarto, o criado mudo quase falava, de tantos livros que absorveu durante os anos em que ele habitou a casa. passaram grandes escritores: Saramago, Nietzsche, Rodrigues, Vianco, Marques, Rosa, Andrades entre tantos outros. abriu a gaveta e encontrou um que estava perdido há anos: a versão de bolso de “O Jogador” de Dostoiévski. tento tempo que não revia a capa do livro, a foto que a ilustrava era uma mesa redonda, com um pano de feltro verde cobrindo-a, algumas cartas espalhadas pela mesma e uma pilha considerável de fichas das mais variadas cores: vermelhas, verdes, azuis, pretas, brancas. uma coisa lembrava outra que o fazia recordar que precisava procurar ainda muitas coisas espalhadas pela casa. lembrou da sua maleta de fichas de poker que levava para os encontros semanais com os amigos, que o lembrou de procurar o deck de cartas que um de seus grandes amigos lhe trouxe de Las Vegas, que o lembrou de procurar a toalha de feltro que usavam nas jogatinas madrugada a dentro, que o lembrou de procurar os porta-copos que usavam para não manchar a mesa de mogno que o proprietário da casa tanto adorava, praticamente venerava. é um pedaço de madeira maciça, mas nunca contradisse o dono, afinal, foi uma das poucas exigências feitas pelo senhor de 74 anos, que o lembrou de colocar na mala a garrafa de whisky que seu pai lhe deu quando voltou da escócia. 12 anos, single malte. a única que sobrou ainda lacrada. muitas lembranças, muitos pertences espelhados pela casa inteira. de certo ia esquecer alguma coisa, e inevitavelmente não voltaria para recuperá-la. ainda de fones, sim, sem estar plugado em nada, nem mesmo no ipod que estava em seu bolso, continuou perambulando pela casa lembrando dos amores, das mulheres, das festas, das badernas, das reclamações dos vizinhos, do aconchego, das visitas de sua mãe que sempre trazia comida, as que ele comprava eram em sua maioria congeladas, das conversas com o pai enquanto apreciavam um copo de whisky e um charuto, das discussões com as namoradas e do sexo que vinha logo em seguida, que deixava marcas, arranhões e hematomas em algumas vezes, das brigas com o vizinho do lado, das noites em claro que passou no sofá com os olhos semi cerrados e as crescentes olheiras. resolveu colocar um som em seus ouvidos para amansar a ansiedade e tranquilizar a mente irriquieta. enquanto o jazz entoava o seu andar, foi ajeitando a mala em suas costas, com poucas coisas, o prazo limite para retirar tudo era na sexta e começou cedo, no domingo que antecedia o prazo. o tempo não urgia, mas corria feito um guepardo. apagou a luz, passou a chave na porta pela antipenúltima vez e seguiu rumo à liberdade.
Meu, para o mundo.